- uma carta de sofia soter
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#002: acho que na real só queria ouvir mais rádio
na adolescência, nada era mais importante para mim do que música.
a prioridade do meu tempo livre era ouvir música, ir a shows, conhecer bandas novas, baixar mp3s e organizar meticulosamente meus 120gb de música no itunes, fazer playlists e gravar em cds para dar de presente, e ler sobre minhas bandas preferidas. meus amigos todos eram obcecados por música, meus namorados todos tocavam música. eu mesma tive uma banda. meu filme preferido era quase famosos. meu livro preferido era i'm with the band. meus sonhos profisisonais alternavam entre ser jornalista de música, ter uma banda, namorar alguém de uma banda e não ter que trabalhar, ser dona de uma loja de discos, fazer qualquer coisa que me permitisse ficar mergulhada em música o dia todo, a noite toda, pelo resto da vida.
aí agora eu tenho 31 anos e não consigo prestar atenção em álbuns inteiros , vejo bandas e artistas que gosto serem anunciados em festival e não sinto a menor vontade de ir, não acompanho nenhum lançamento, e fiquei quase incapaz de assimilar música nova.
não é que música tenha parado de me impactar emocionalmente. músicas (especialmente as que foram importantes para mim 15 anos atrás) ainda têm a capacidade de me fazer chorar e gritar e sentir emoções que são impossíveis de acessar no meu peito de outro jeito. eu ainda faço playlists para toda história que escrevo, ainda descrevo mentalmente meus personagens e livros pelas músicas, ainda tenho o hábito de fã adolescente de, quando obcecada por alguma coisa, ouvir músicas e criar associações profundas (exemplos recentes: a sequência "when you were young", "bling" e "for reasons unknown" do sam's town do the killers virou minha trilha sonora mental para louis/lestat na série nova de interview with the vampire; "exile" e "my tears ricochet", da taylor swift, viraram música-tema de todos os ships sofridos de black sails). é só que, de algum jeito, com o passar do tempo, essa relação com música ficou presa num canto nostálgio das emoções.
isso tudo não tem conclusão — na verdade, é principalmente o prelúdio que eu queria dar para explicar meu jeito absolutamente caótico de escutar/conhecer música atualmente, que outro dia tentei explicar para a clara e percebi como é absurdo. porque, como falei, não consigo assimilar música nova. também não ouço álbuns inteiros. e, desde que perdi meus 120gb de mp3 e me livrei de boa parte dos meus cds porque não tenho mais onde ouvir cd e fiquei dependente desse sistema horrendo de spotify/youtube/etc. em que pago dinheiro pra me deixarem ouvir coisas que uma empresa pode simplesmente arrancar de mim a qualquer momento e fazer desaparecer, escolher o que escutar no dia a dia ficou muito mais difícil
então o que eu faço (especialmente para ouvir música enquanto trabalho, quando a imprevisibilidade me ajuda, e eu não quero uma vibe específica (se quero música para uma atividade mais específica escolho playlists/álbuns mais específicos (prometo que não decido, sei lá, dar uma festa e usar esse método para seleção (até porque faz tempo que não dou uma festa)))) é o seguinte:
eu salvo playlists compulsivamente. alguém compartilhou uma playlist em algum lugar que me parece vagamente interessante? eu salvo. vejo amigue ouvindo uma playlist legal no friend activty do spotify? eu salvo. abro o perfil de pessoas no spotify, vou fuçando as playlists, salvo salvo salvo salvo.
aí eu organizo essas playlists em pastas por ordem alfabética. isso mesmo: uma pasta a, uma pasta b, uma pasta c etc., de acordo com a primeira letra do título da playlist. faço isso unicamente para não ficar olhando para uma sequência infinita de playlists na barrinha lateral do spotify.
aí eu clico em uma dessas pastas e mando o spotify tocar no aleatório tudo que a pasta contém.
e assim eu criei o método mais desnecessariamente complexo para basicamente ouvir rádio.
a partir das músicas que vou ouvindo nesse método, criei então duas outras playlists: uma é para músicas que, nessa rádio caótica, eu já conhecia, eu gosto, e eu esqueço sempre de botar para ouvir porque não estão em outras playlists minhas e/ou não são de artistas que eu lembro de ouvir com frequência; a outra é para músicas que eu não conhecia, mas me chamaram atenção, e eu quero ouvir de novo e quem sabe aprender a gostar de verdade.
e, para dar um gostinho da bagunça que isso gera, eis uma playlist que fiz com um mix dessas coisas todas em janeiro de 2023, exclusivamente para aproveitamento geral de leitores da newsletter:
tendo contado tudo isso, fica a pergunta: como vocês escolhem que música ouvir? alguém tem um método tão caótico quanto o meu? alguém sente saudade de ouvir rádio às vezes? alguém ainda tem coleções imensas de cd que nem a gente tinha décadas atrás? vocês gostam de colecionar lp, um hobby que tenho pensado em começar para ver se volto a ouvir música de um jeito normal? por favor, me contem (por curiosidade sincera, não é nenhum método esquisito de pergunta para gerar engajamento com finalidade de números aleatórios que não significam nada mas servem para dar boost de serotonina).
leituras da quinzena*
acabei de ler beleza e tristeza, de yasunari kawabata (trad. lídia ivasa), que ganhei de presente da clara. é uma leitura que gostei e não sei bem recomendar, porque é o tipo de coisa que, na internet, dá vontade de acrescentar setenta disclaimers — é, os relacionamentos são todos meio bizarros! é, tem violência sexual a rodo! é, tem umas descrições de mulher escrita por homem que às vezes soam meio her breasts breasted breastily! mas é um livro muito bonito, tem descrições de arte visual que transmitem plenamente a vibe da arte de um jeito absurdamente difícil de fazer por escrito, e, principalmente, como disse a própria clara:
[E]le é erótico. Não só por causa das descrições dos amantes levando o dedo de uma à boca da outra, mas também porque Kawabata não mostra muito, ele não afirma nada, tudo é sugestão. E, por ser sugestão, desperta no leitor o interesse de saber mais, de olhar mais, escutar mais, de contemplar
querendo ler alguma coisa que eu fosse acabar em um só dia, peguei um mundo em poucas linhas, livro de poesia da tamara klink. é, na verdade, um compilado de poemas e pequenos textos que ela escreveu ao longo dos últimos anos em seus diários de viagem, sempre localizados com o lugar e o ano em que foram escritos. tem poemas melhores, outros piores (como é sempre o caso em coletâneas), e tem uns toques de ingenuidade e sinceridade adolescente que adorei (a tamara hoje tem 25 anos, mas, como falei, os poemas foram escritos ao longo do tempo), mas o que mais me impressionou foi a coesão e a narrativa que eles formam, desenhando uma trajetória bonita de uma jovem que cresceu no mar e tenta encontrar sua terra.
estou trabalhando horrores, e por isso fica mais difícil ler fora do trabalho, então ainda estou lendo second place, de rachel cusk, em audiobook** com narração de kate fleetwood. comecei também história de quem foge e de quem fica (trad. maurício santana dias), o terceiro da tetralogia napolitana da elena ferrante, e, apesar de todos os avisos que me deram, ainda assim fico chocada com a boylixice de nino sarratore a cada página em que ele é mencionado (estou adorando).
*sem contar leituras de trabalho
**ouço audiobook sempre pelo scribd. para quem tiver interesse em experimentar 60 dias grátis, dá para se inscrever pelo meu link (e aí eu ganho 30 dias grátis também).
pesquisas inusitadas que fiz para trabalhar
o trabalho de escritora/tradutora/preparadora envolve pesquisas incessantes, às vezes curiosas. eis uma pequena seleção de pesquisas recentes que me ocuparam certo tempo, sem contexto.
acabamento de verniz em gráfica. idade esperada de alfabetização. trajetos rio-angra. ônibus que saem do arpoador. embalsamento de múmias. horário de nascer da lua. nomes das estrelas da constelação ursa maior.
links selecionados
nem lembro mais como fui parar neste texto, "why do weeds exist?", de uma newsletter como compostagem, mas acabei gostando muito de ler sobre essa classificação de plantas por sua "utilidade", e o que fica na categoria "mato". me lembrou muito o trabalho da carla, no outra cozinha, que toma perspectivas semelhantes pra falar da nossa relação com a natureza e a comida.
o documentadas é um projeto fotográfico de retrato de casais de mulheres. é uma iniciativa legal de construção de história, e também tem a proposta de dar auxílios mais materiais para as mulheres envolvidas — desde um banco de pesquisa de trabalho para contratar as retratadas, a uma rede de psicólogas para oferecer auxílio psicológico.
na edição mais recente da no recreio, a anna vitória citou dois textos sobre ser-e-deixar-de-ser vegetariana/vegana — um da luisa, e um da carolina —, que me fizeram pensar na minha própria relação com comer/não comer carne, e na tentativa de tratar isso como prática na minha vida e alinhamento para minha política, mas não como categoria identitária. acabei lendo também esse texto recente da cristal muniz sobre não viver mais uma vida lixo zero, que toca em pontos parecidos, especialmente no esvaziamento de práticas de sustentabilidade quando se tornam rótulos capitalizáveis.
seguindo na linha "esvaziamento de práticas quando se tornam rótulos capitalizáveis", o jp brammer tocou um pouco nisso no que diz respeito ao nosso "consumo" de arte/literatura e nossas práticas artísticas/literárias nessa coluna do hola papi.
cantinho dos jabás
já que não estou usando as redes sociais, sinto falta de compartilhar trabalho de gente legal e querida que quero que tenha mais alcance. então vou tentar instituir este cantinho de propaganda (que eu estou fazendo voluntariamente, ninguém me pediu, nem pagou) para espalhar as coisas boas aqui com o pessoal da newsletter. e se você me lê aqui e quer divulgar seu trabalho, pode responder este e-mail; quem sabe compartilho numa newsletter futura.
carnaval está chegando, e a bia rodrigues lançou a utobia, uma marca de brincos coloridos, carnavalescos, alegres e exagerados maravilhosos. eu comprei dois só para usar por aí, mesmo sem pular bloco. e, de bônus, aproveito para lembrar que a bia é designer, e está disponível para freelas.
a isadora sinay vai dar um curso de organização e escrita acadêmica, para ajudar a formular problemáticas de pesquisa e estruturar projetos, seja para entrar em programas de pós, ou para pedir bolsa.
a laura pires, que escreve textos maravilhosos sobre relacionamentos (como ponto de partida, recomendo sempre o clássico "o que é um namoro?"), abriu um financiamento coletivo no apoia.se para quem quiser dar uma força para o trabalho dela.
hoje não tem foto de paisagem, mas tem foto da pandora. até a próxima!